A HUMANIDADE NÃO É UMA ILHA! Alguém gritou! Silenciou sorrisos, gerou pânico, fez emergir pensamentos, acendeu olhares antes distraídos e depois observou ele próprio. O peso da culpa fez-se nuvem insustentável e chovia nos rostos das pessoas presentes uma dor cínica. Foi-se espalhando pela pele e desfez-se em piedade líquida. Escorria sem parar. EU TAMBÉM ESTOU PRESENTE. Confesso-me culpado. Por ivalidez, por impotência, por desprezo. Por momentos tenho a cabeça baixa e é como se eu fosse chão onde te deitas SEM-ABRIGO.
Quando te vejo és assim, essa imagem só, caída entre a gente, indefinida, contornada por sombras e sem rosto (porque nunca ousei olhar-te nos olhos). És uma ilha de desumanidade no meio dos que são pessoas, és espelho do conceito em si, ou pelo menos da sua consequência, o reflexo da indiferença e eu sou CULPADO.
A humanidade não é uma ilha! A ilha é o resultado da inoperância da humanidade. ÉS TU. És tu desenhado na horizontal no meio da Praça do Rossio enquanto as pessoas passam e observam, interessadas, as filmagens de um filme francês qualquer que não sabem o nome nem nunca vão saber. Assim como nunca saberão também o teu. Mas como não poderiam estar interessadas se a cidade está parada, os semáforos ficaram avermelhados e a mobilização policial desvia o seu interesse de qualquer outra coisa, mesmo que te transformasses nessa coisa?
Estás cansado e SEM-ABRIGO, sem ABRAÇO, sem TERRA, sem ALMA, sem VOZ e EU, SEM CORAGEM. Observo-te como se tivesse nevoeiro em frente dos olhos e continuo, sem parar... sigo outros que já iam à minha frente...
To live on the street is to be an "eye-sore", to be ostracized
to havenothing, to be nothing, to be invisible,
the object of anger, the object ofguilt, painfully ignored or pitied.
Rae Bridgman, 1998
Esta foi a definição de sem-abrigo que encontrei. Sem comentários:
Sem abrigo; cidadão que não possui residência fixa e que durante um período mínimo de uma semana, dorme em locais públicos, em alojamentos temporários
Tema interessante e polémico…
ResponderEliminarNo outro dia vi com todo o interesse uma pequena reportagem sobre um senhor que começou a viver na rua com 6 anos por sofrer de violência doméstica. Viveu pelas ruas de Lisboa durante 27 anos e orgulha-se de nunca ter roubado nada a ninguém, para conseguir comida ajudava a despejar caixotes de lixo a restaurantes ao final do dia e procurava instituição de caridade. Em tempos envergou em caminhos do alcoolismo, de onde conseguiu sair depois de aconselhado numa das instituições que procurava.
Hoje tem casa, emprego, amigos, é casado e tem grande reconhecimento entre os seus conhecidos e amigos. Ainda na rua foi convidado por entidades relacionadas com uma revista dedicada a polícia onde recolhe patrocínios para a mesma.
Um dos convidados, mais precisamente a Sr que o ajudou mais directamente a enfrentar uma vida diferente pronunciou “ele nunca foi um sem abrigo comum, preocupava-se em manter uma postura em tudo o que fazia, sempre foi exigente com a sua higiene, alias, nunca o vi se não em fato e gravata. Costumava dizer que ele tinha mais fatos que eu” …
Esta é sem duvida uma das realidades, mas a maçã podre do cesto vem de pessoas que transmitem um lado oposto de necessidade, e, que de uma maneira mt negativa vão fazendo com que o cidadão comum vá perdendo a fé…
Aconteceu algo comigo que talvez não o consiga explicar por palavras e pareça até superficial, mas…
Localizo-me em Coimbra, mais precisamente na baixa, onde a cada rua que se cruza há um sem abrigo pedindo esmolas, é angustiante e constrangedor, e tocou-me particularmente nas minhas 1as visitas. Sempre vivi em localidades onde os sem-abrigo é uma realidade só da televisão, onde aparentemente não há fome, e embora haja declaração a pobreza, não existe uma margem alta de pobreza estrema. Aquela visão constrangia-me tanto que chegava a chorar, tinha os meus 17 anos, mt rebeldia no corpo, mas a sensibilidade rasgava as roupas largas e o cabelo espetado e tocava-me na pele… quase sempre destrocava uma nota e corria as ruas a distribuir aos que achava serem mais necessitados, o simples agradecimento deles aterrorizava-me mais que a escuridão, e a verdade é que a minha alma se pintava de preto sempre que conseguia chegar a margem do Mondego…sentia que fazia tão pouco… mas não podia fazer nada, era só uma estagiaria, que tinha umas economias do trabalho em part-time que tivera ao longo do ano, e orgulhosa de mais para aceitar uma transferência dos pais.
Mas um dia tudo mudou… alguém me mostrou que havia realidades que não passavam de uma farsa, uma ilusão, são actores que fazem o seu papel, que causam em nós sensações de desconforto, solidariedade, angustia. A palavra certa seria pena, mas é uma palavra demasiado forte, tão forte como o amor ou amizade, é uma palavra dura, mas é a verdade das palavras sobre o texto que se escreve.
Ai deixei de ter tanta fé, evitava passar pelas ruas, mas depois há os que nos confrontam directamente pedindo comida, mas passei a ter uma postura diferente, deixei de dar dinheiro e oferecer-me para lhes comprar algo para se alimentarem, e é triste, mas 90% das respostas é não, o que querem mesmo é dinheiro e no entanto pedem-no em nome da comida que recusam.
Sim, hoje talvez seja um glaciar que anda pelas ruas de uma cidade, não que não me sensibilize com a visão que os meus olhos levam ao cérebro, mas a desilusão foi tão real que ultrapassa a realidade da própria realidade…
Eu era só uma menina de 17 anos….
doce beijo
estou atento amigo. Como tudo o que fazes este projecto também cheira a originalidade e inteligência. sabes que no meio das minhas valsas terei sempre tempo para te escolher...por muitas que sejam as prateleiras, por muita coisa que esteja nas prateleiras...has-de ser sempre escolhido. Pelo menos por mim.
ResponderEliminarEstamos juntos
Ricardo Latas
Querida Mary, gostei muito do teu comentário, era esse o tipo de discussão que queria suscitar.. Como sempre, entendes-me perfeitamente.:-). Deve ter sido incómodo o que passaste.A analogia com o pai natal foi interessante. Retirei de uma pesquisa que fiz um excerto de um trabalho feito com pessoas sem abrigo por Fernando Sousa e Sandra Almeida. Nas suas considerações finais dizem "Contrariamente ao mito de que muitos dos
ResponderEliminarSem-Abrigo estariam nessa situação por escolha
própria, por apreciarem a «liberdade» que advêm
da ausência de quaisquer responsabilidades, ou
compromissos sociais, nenhum participante referiu
preferir as ruas a uma habitação condigna.
Note-se ainda que, quando colocados perante a
oportunidade de uma eventual mudança para
uma habitação de carácter permanente, por comparação
com a continuação no abrigo, todos os
participantes referiram preferir mudar". Acho que responde um pouco ao que dizes.
Grande Abraço :-)
Referência:
E se perguntássemos aos Sem-Abrigo?!!
Satisfação e necessidades percepcionadas face aos serviços,
num abrigo de Lisboa
FERNANDO M. V. de SOUSA
SANDRA M. de ALMEIDA
Obrigado Ricardo, grande amigo da Valsa, já estou habituado à tua presença, fazes-me bem ao ego, sempre. já preciso de ter por aí à espreita. Acho que aqui na prateleira poderás ajudar-me muito. A nossa pseudo-sociologia adquirida poderá ser aqui utilizada de forma útil, espero...lol--
ResponderEliminarEstou atento à Valsa tb..sempre
Abraço grande e Forte
Flavio, fiquei encantada com a sua página. Sou um professora da escola pública brasileira, apaixonada pela sala de aula porque ali encontramos as criaturas sem identidade, sem sonhos, sem rosto, sem esperança, sem nada... E, por meio do amor sem exigências, conseguimos recuperar o brilho dos olhos de alguns, recuperar a vontade de sonhar e de ir em busca da realização desses sonhos e mudar o rumo da vida deles. Apesar de ser professora de Biologia, tenho grande envolvimento no lado social da vida de meus alunos e, ao ler o que voce escreveu, descobri que posso aprender bastante com seus comentários, mesmo que você não tenh concluido o curso de Sociologia. Será que o diploma é mais importante do que o olhe que vê bem o que o rodeia? Espero voltar mais vezes par aprender mais. Um cheiro. Anna.
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